Vou cruzar a fronteira e sei que do outro lado existem muitas diferenças em relação ao Brasil. Uma delas é a gasolina, a chamada “pura”. Diante disso, penso em meu carro nacional e flex. Será que ela é melhor? Ou ela estraga o motor?
As duas questões usadas no exemplo citado são muito importantes, especialmente para quem está na mesma situação.
Como se sabe, o Brasil possui uma gasolina diferente dos demais países vizinhos e até em relação ao resto do mundo, pois aqui não há opção de poder abastecer com o derivado de petróleo sem a mistura com etanol, como acontece ainda em alguns países, embora boa parte já adote o mesmo que os EUA, sendo no caso os combustíveis E10 e E85.
Aqui, de acordo com a legislação vigente, as refinarias podem adicionar até 27% de álcool anidro na gasolina (antes era 25%). Para carros com tecnologia flex, isso pouco importa, já que estes foram desenvolvidos para suportar qualquer mistura dos dois produtos ou 100% de um deles.
Nesse caso, em realidade apenas 100% de etanol, pois a gasolina já vem com um percentual de álcool. Ou seja, é impossível hoje em dia, com ou sem carro flex, abastecer com gasolina 100% sem etanol.
Nos carros com motor a gasolina
Do outro lado da fronteira, a gasolina chamada “pura” tem octanagens diferentes da nacional, em média menores e limitadas a 87 octanas. Mas então, dá problema? Isso vai depender do tipo de motor.
Vamos ver primeiro no motor a gasolina (não flex).
Lembramos que, no momento em que o governo ampliou de 25% para 27% a mistura de etanol na gasolina, alertas foram dados para os proprietários de carros abastecidos apenas com gasolina, em especial os mais antigos, sem gerenciamento eletrônico.
Isso é devido ao fato de estes motores não possuírem a tecnologia que permite ao motor se adaptar às condições do combustível que está sendo usado. Nesse caso, os parâmetros de funcionamento não corresponderão igualmente quando na presença de uma gasolina sem adição de álcool.
Mas o que acontece? Como o etanol contém oxigênio, sem este, o motor necessitará admitir mais ar atmosférico na mistura para funcionar perfeitamente.
Isso provoca uma mistura rica, onde há mais combustível que ar, porém, a aspiração de uma quantidade maior de ar pode levar a uma condição de mistura pobre, onde o motor começará a falhar e gerar aumento no consumo e danos ao sistema.
O gerenciamento eletrônico corrige eventuais alterações na queima do combustível. Mesmo assim, existe o risco de que danos ou consumo elevado possam ser gerados.
Em carros com motor a gasolina, especialmente com turbo e injeção direta, as correções são feitas pontualmente em muitos casos e o propulsor até passa a render mais por causa do rendimento energético melhorado com a gasolina sem adição de etanol.
De qualquer forma, a baixa octanagem pode afetar o motor de forma contrária, gerando prejuízo ao invés de ganho.
A pré-detonação é um problema comum quando o motor não responde bem ao consumo de gasolina pura. A chamada “batida de pino” ocorre quando a detonação ocorre antes da centelha, o que provoca o ruído característico, mas com essas detonações não programadas, problemas podem ocorrer com o motor.
Nos carros com motor flex
No caso do motor flex, a regra é a mesma para a adequação ao combustível. Como a programação desta tecnologia permite qualquer mistura dos dois combustíveis, não há problema imediato.
Porém, sabe-se que a gasolina brasileira leva em média 1/4 de etanol e, como já dito acima, o sistema nunca irá trabalhar com uma gasolina 100% pura em território nacional.
O projeto desses motores não leva em consideração seu uso fora do país. De qualquer forma, a tecnologia flex permite ao motor saber o que está sendo queimado e se adaptar rapidamente para manter o funcionamento em ordem.
Assim, graças à sonda lambda, que determina o que está sendo queimado e depois dá ordem ao controlador da borboleta de admissão, o motor acaba ajustando o tempo de ignição para aquele momento, a fim de obter uma queima o mais perfeita possível.
Quando o sistema detecta uma gasolina pura, ele vai buscar um ajuste imediato para que a queima seja eficiente e isso não resultará em danos ao motor, pelo contrário, pode até mesmo render um consumo melhor.
Mas isso vai depender do tipo de motor e injeção de combustível. A batida de pino pode ocorrer em sistemas que não conseguem se adaptar rapidamente à mudança de combustível. A mistura rica é outro indicativo de problemas nesse caso, sendo que o motorista é alertado pela luz-espia da injeção no painel.
Ao longo dos anos, a gasolina teve diversas variações de percentual de etanol misturado. Desde então, os motores vem sendo adaptados para utilizar esse tipo de combustível, especialmente após a chegada do Flex, que trouxe a oportunidade de escolha ao condutor, se quer gasolina ou etanol.
A diferença entre os dois, em termos energéticos, é de 32% a favor do derivado de petróleo. Então, saiba que o consumo sempre será mais alto com gasolina nacional do que com a pura do exterior.
Há alguns anos, a Fiat lançou o Grand Siena Tetrafuel, seguindo a geração anterior, podendo assim usar gasolina pura, gasolina comum (nacional e com etanol), etanol e gás natural.
Essa opção não durou muito, mas mostra que foi necessário fazer alterações para que o primeiro combustível citado pudesse trabalhar com os demais.
Muitos taxistas, especialmente no Rio de Janeiro, onde o custo do gás é menor, consideraram o modelo como carro de praça. Essa opção surgiu bem antes de 2012, com o Siena Tetrafuel, que disputava poder com o Chevrolet Astra Multipower.
Biocombustíveis
Apesar de muita gente adorar a gasolina pura e outros temerem que ela possa avariar o motor de seu carro, sua oferta no mercado mundial tende a cair. O motivo é a questão ambiental.
Na Argentina, por exemplo, a gasolina tinha adição de etanol de 10% até 2016, mas um decreto da Casa Rosada fez com que o percentual subisse para 12%.
Lá, o etanol vem do milho e da cana. Chegou-se a um acordo entre produtores de açúcar e de milho, para que cada lado fornecesse metade do volume necessário para adição na gasolina.
Por ora, o impacto ainda não é grande como no Brasil, onde há muitos anos a gasolina tem um bom percentual de álcool (que também pode ser batizado).
Com a tendência de equiparação técnica entre os dois lados, especialmente agora com um projeto para similaridade entre os carros produzidos no Brasil e na Argentina, pode ser que o nível de etanol suba também no país vizinho e quem sabe um dia possa estar no mesmo patamar do brasileiro.
A fronteira já foi o marco para se obter a gasolina pura mas, hoje em dia, dificilmente alguém conseguirá abastecer seu carro, seja flex ou não, com gasolina pura no Brasil e nos países do Mercosul, pelo menos. Uruguai e Paraguai já adicionam um percentual de etanol em seus combustíveis, chegando a 24% na terra dos guaranis.
Porém, um estudo apontou que atualmente existem mais de 60 países que adotam a mistura obrigatória de biocombustível em derivados de petróleo, como gasolina ou diesel. Só na América Latina, 13 países adotam o etanol como complemento da gasolina.
Então, quando se fala em gasolina pura, podemos entender que, ao atravessar a fronteira, estamos apenas reduzindo o percentual de álcool anidro na gasolina, que deixa de ser pura.
Com maior poder calorífico, a gasolina sem etanol permite melhor queima, resultando em performance e economia superiores. No entanto, polui mais que uma gasolina E10 ou E27, por exemplo.
Quer receber todas as nossas notícias em tempo real?Acesse nossos exclusivos: Canal do Whatsapp e Canal do Telegram!