Versão intermediária do novo hatch da Renault apresenta melhorias dignas de aplausos, mas revela por que o carro perdeu a chance de brigar pela liderança
Por Gustavo Henrique Ruffo
Fotos Fabio Aro
A palavra “honesto” é um adjetivo que o Renault Sandero sempre mereceu mais do que seus concorrentes. Com exceção do Logan, nenhum outro carro vendido no Brasil oferece mais espaço pelo mesmo preço.
E a segunda geração do hatch, agora sobre a plataforma M0, em vez da B0, merece também ser chamada de bonita, ainda que o desenho atual tenha menos personalidade que o do modelo anterior.
Foi o que pudemos confirmar nesta avaliação da versão Expression com motor 1.6, que custa R$ 38.590.
Antes de partir para a análise da honestidade deste franco-romeno fabricado em São José dos Pinhais, no Paraná, vale repassar os dados técnicos e o conteúdo da versão do Sandero que dirigimos.
O hatch da Renault tem um motor de 106 cv de potência (a 5.250 rpm) e 15,5 kgfm (a 4.250 rpm) de torque máximos, com etanol. Seu porta-malas comporta 320 litros de bagagem. Com 2,59 m de entre-eixos e 1,73 m de largura, ele é praticamente um modelo médio em oferta de espaço (um Fiat Bravo tem 2,60 m de entre-eixos e 1,79 m de largura).
O Sandero, na versão Expression, vem com vidros elétricos dianteiros, travas elétricas nas quatro portas, direção hidráulica com regulagem de altura, computador de bordo, rádio com Bluetooth e comando-satélite, próximo ao volante, alarme perimétrico e ar-condicionado.
Isso para citar só os itens de maior demanda, mas há pequenos cuidados que é preciso destacar. Iluminação do porta-malas, abertura interna do bocal do tanque de combustível e da tampa do porta-malas e até abertura do capô por amortecedor, que dispensa o uso de vareta, dão ao Sandero uma apresentação de carro mais caro (nem o Fluence tem amortecedor para o capô).
Tudo isso pelo valor acima.
Some a isso R$ 1.200 e será possível equipar o hatch com o Techno Pack, que inclui sensores de estacionamento traseiros e MediaNav, sistema de navegação com tela sensível ao toque. Com ele, o valor pula para R$ 39.790.
O carro avaliado contava com os opcionais, mas fiquemos apenas no que vem de série para compará-lo à concorrência.
Bem na fita
Antes de mais nada, vale lembrar que este texto é um retrato do momento em que escrevemos esta avaliação. Infelizmente, os recentes aumentos de preço, cada vez mais constantes, podem mudá-lo rapidamente.
Feita a ressalva, os tais R$ 38.590 são mais do que a Volkswagen pede pelo up! na versão High (R$ 36.520), mas o compacto tem motor 1.0, entre-eixos 17 cm menor, é 8 cm mais estreito e leva apenas 285 litros de bagagem.
O up! também vem sem ar-condicionado (um opcional de R$ 2.870) e rádio (mais R$ 792), mas traz retrovisores elétricos, rodas de liga leve, faróis de neblina e sistema Isofix de fixação de cadeirinhas infantis de série.
Ele e o HB20 são os únicos do segmento com esse sistema, já mais comum em modelos médios. E é o tipo de coisa que todos os carros brasileiros deveriam oferecer de série. Seja pelo custo, baixo, seja pela proteção que o sistema proporciona.
Nossas palmas para ambos, neste ponto. Equipado como o Sandero Expression e com estes itens a mais, o preço do High up! passa a ser R$ 40.182.
Se o exemplo alemão viesse do novo Fox 1.6 (R$ 39.940), a coisa ficaria ainda mais feia. Apesar de ter motor equivalente ao do Sandero, o Fox tem menos espaço interno (entre-eixos 12 cm menor e 7 cm mais estreito), menos porta-malas (285 litros) e menos itens de série (faltam ar-condicionado, sistema de som, computador de bordo e alarme).
A Chevrolet se sai um pouco melhor. Por preço próximo ao do Sandero, ela oferece apenas o Onix LT (R$ 39.600), que vem com motor 1.0, mas tem espaço interno mais generoso que os rivais da Volks, ainda que menor do que o do Sandero: são 2,53 m de entre-eixos e só 2 cm a menos de largura que o Renault.
O porta-malas é de 280 litros. Em itens de série, falta apenas o rádio.
A Fiat, líder de mercado, tem no Palio o maior concorrente ao hatch da Renault. Em termo de preço, a que fica mais próxima do Sandero Expression é a Attractive 1.4 (R$ 37.930). Que, como o nome diz, tem motor menor.
E essa versão vem bem sem recheio: faltam ar-condicionado e alarme. E, de novo, o espaço interno não dá nem para o cheiro: meros 2,42 m de entre-eixos, como o up!, 1,67 m de largura e 280 litros de porta-malas.
Dentre os novatos, seria injusto não lembrar do Hyundai HB20. A versão Comfort Plus com BlueAudio custa R$ 38.690, apenas R$ 100 a mais do que o Sandero Expression, vem com o mesmo conteúdo e mais algumas vantagens, como vidros elétricos traseiros e, principalmente, pela oferta de Isofix para a fixação de cadeirinhas infantis.
O HB20 acaba devendo em motor (1.0) e em espaço (2,50 m de entre-eixos, 1,68 m de largura e 300 litros de porta-malas), mas é relativamente pouco.
Quem também não faz feio na comparação com o Sandero é a novidade mais recente da Ford, o Ka, que custa R$ 35.390 em sua versão de entrada, a SE. Ela é quase equivalente ao Sandero Expression em itens de série.
Fica devendo alarme e computador de bordo, mas é pouco mais de R$ 3.000 mais barata. Por R$ 39.990, o Ford vem com algo que ninguém mais no segmento oferece: controle eletrônico de estabilidade e de tração.
Para ter um motor mais forte, o 1.5, o Ka cobra R$ 40.390. Já começa a ficar mais caro do que deveria, mas o espaço interno do Renault, de novo, desequilibra a balança a seu favor. O Ka tem 10 cm a menos de entre-eixos, 3 cm a menos de largura e um porta-malas bem menor, de apenas 257 litros.
Resumindo, ninguém oferece o mesmo espaço que o Sandero. Nem um preço tão baixo pelo conjunto de motor e itens de série. O valor ainda não é compatível com o que se cobra no exterior por outros modelos, mas ajuda a tirar a sensação de que sempre se paga muito mais no Brasil do que seria justo. Pelo que quer que seja.
Falta de tempero
Com a nova aparência, o Sandero deixou de ter uma identidade própria, separada da do Logan, para se tornar, pela ordem de chegada, a versão de dois volumes deste sedã. Mesmo assim, não há como negar que ele é mais bem acertado e bonito que o anterior.
A preocupação com maior refino no modelo é evidente, como mostram as lanternas com detalhes cromados, o console central emoldurado e em black piano, o quadro de instrumentos, com grafismo mais sofisticado e iluminado por luz branca, com ponteiros em laranja, e a ergonomia, que melhorou absurdamente.
A regulagem do retrovisor elétrico, quando disponível, está no canto inferior esquerdo do painel, e não mais sob a alavanca do freio de mão. O MediaNav, por sua vez, passou à parte superior do console central, em posição correta de visualização.
O antigo ficava à frente da alavanca de câmbio.
Por outro lado, quando existe a opção de vidros elétricos traseiros, a regulagem voltou para o painel central. Foi um retrocesso, já que os últimos Sandero da primeira geração traziam todos os comandos no painel da porta do motorista.
Há quem defenda a solução de comandos no console, por proteção aos circuitos ou por economia de chicote, mas é uma defesa mais a favor do fabricante que do consumidor, cá entre nós.
Só falta decidir se voltar atrás é pior do que nem seque consertar, como as dobradiças aparentes do capô, que continuam no Sandero. Nível de ruído é outro problema que deveria ter tido a devida atenção.
Com o motor em rotações mais altas, ou em velocidades maiores, ele ainda é elevado. Neste ponto, o Sandero continua pior que seus concorrentes e acaba comprometendo os esforços em mostrar mais refino. Dá a impressão de que eles são mera perfumaria.
Em movimento, o Sandero é apenas correto. O primeiro contato até engana, com um volante de boa pegada, ainda que os bancos pudessem oferecer mais apoio. Os freios, com a assistência adequada, também permitiriam uma direção mais agradável.
Mas o câmbio, de engates longos, mostra uma certa imprecisão. A suspensão, firme e confortável, não transmite as irregularidades do piso ao interior, mas rapidamente você percebe por quê: há uma desconexão com o piso.
Na maior parte do tempo, devido ao mau estado do asfalto brasileiro, essa característica mais vai agradar que incomodar.
O problema, por incrível que pareça, será encontrar ruas e estradas em boas condições. Nestes casos, a desconexão vira empecilho e o Sandero surge anestesiado. A direção se mostra lenta, como se o carro se prestasse apenas a ser um meio de transporte honesto.
Quase um eletrodoméstico de ir e vir. Quem gosta de dirigir, de se comunicar com direção e asfalto, por pior que este seja, provavelmente vai preferir algum modelo da concorrência.
O espaço interno, que já destacamos tanto no começo dessa avaliação, merece mais explicações. Com o banco do motorista ajustado para alguém de 1,85 m, ainda sobra um bom espaço atrás para alguém do mesmo tamanho.
Aliás, sobra espaço para três caras do mesmo tamanho, lembrando que o que for no meio do banco sempre vai levar a pior. No porta-malas, de bom acesso e ótimo espaço, só faz falta algum sistema de fechadura, como o que existe no HB20. Só é possível abrir a tampa na chave ou pelo comando interno.
O consumo, com etanol, surpreende positivamente. Na estrada, o 1.6 registrou 12,4 km/l, sempre com o ar-condicionado ligado. Na cidade, com trânsito pesado, a marca ficou em 6,1 km/l. Se a coisa fluisse um pouco melhor, ele certamente chegaria aos 7 km/l, se não mais.
Em um país que valoriza a malandragem e o jeitinho, ter um carro verdadeiramente honesto, no que cobra e no que oferece, é algo que reanima os que se esforçam para acreditar em algo melhor.
Pena que essa honestidade, quase sempre associada a coisas sem graça, sem gosto e sem personalidade, não tenha encontrado no novo Sandero um advogado contra essa associação, por mais que ele tenha melhorado em relação ao anterior.
Galeria de fotos do Renault Sandero 2015
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