Guardadores de carros dos outros: Quem são? Onde vivem? Como se reproduzem?

Não, esse texto não é sobre os famigerados flanelinhas, nem tampouco valets de estacionamento.

Esse texto é sobre donos (donos mesmo!?) de carros, que não são donos dos próprios carros: são os guardadores de carros dos outros.

Explico. Há no Brasil uma categoria muito bem engendrada, talvez seja composta até pela maioria dos consumidores de veículos. São consumidores que compram o carro já pensando apenas no próximo dono.

SINTOMAS

O primeiro sintoma dessa condição é não escolher a cor que mais gosta na hora de comprar o carro, seja zero ou usado.

É sempre escolhida a cor que, em tese, teria menos rejeição numa revenda: nada de azul, verde, vermelho ou qualquer outra “extravagância”: a ordem aqui é a santíssima trindade branco-prata-preto, e olhe lá!

Interior claro? Nem pensar! Suja muito, e o real dono do carro (o próximo) pode ficar bravo comigo, que não conservou os bancos alvos e puros de manchas de calça jeans.

Melhor comprar um carro com interior padrão, que não vai ser problema, nem “desvalorizar” na revenda. Quanto menos rejeição, maiores são as chances do real dono do carro (o próximo) vir mais fácil.

Um outro mantra é “não deixar o carro no tempo”. Carro dormir na rua? Nem pensar.
“-Sol e chuva acabaram com a pintura do Corcel do meu pai, por isso nunca deixo meu carro no Sol”.

Mal sabem os guardadores de carros dos outros que a indústria automotiva avançou e muito. Tintas e vernizes atualmente são bem mais resistentes que outrora. Além disso, ceras também foram feitas para serem utilizadas, para proteger o brilho e a integridade da pintura.

INFINITAS OPÇÕES DE MARCAS… MAS…

Comprar carro de marcas diferentes (chinesas!?xing ling? tô fora!), experimentar novos produtos e conceitos, nem pensar!

O ideal é comprar um Honda ou um Toyota, que não quebram nunca e não dão manutenção! As big-four Volks, Ford, Fiat & Chevrolet também são bem-vindas.

“-O próximo dono gosta de uma ampla rede, preciso comprar um carro que oferece isso.
Carro francês? Passo longe! Citroen e Peugeot são bombas, não sei nem como existem!”

Quilometragem também é fator preponderante.

“- Não posso rodar muito com meu carro, afinal o próximo dono com certeza não vai gostar de carro tão rodado! Tenho que manter a km dentro do aceitável. Passar dos 100 mil km? Fora de cogitação! Vão pensar que era carro de aplicativo.”

Carro elétrico ainda é um tabu para essa categoria de consumidores.

“-Será que já existe o próximo dono do meu elétrico?”

“ -Melhor nem arriscar e passar longe dessas tranqueiras tecnológicas, assim como já passei bem longe de injeção eletrônica (é caro para desentupir os bicos); carro automático ( “não dá para sentir o carro”) e carro com 16V (“ a maior loucura que inventaram!).”

“-Mas e se eu arranhar o carro, ou tiver que utilizar o estepe? Tudo bem, certo?”
Pecado mortal! Estepe utilizado é sinal que você cuidava mal do carro. Onde já se viu, furar pneu?!

Arranhão então… falta gravíssima. O carro tem que estar “lacrado” para o próximo dono, sob pena de você ser visto como um péssimo guardador de carro dos outros.

E a cereja do bolo de todo guardador de carro dos outros é: falar mal de carro dos outros….

Sempre terá um detalhe, uma mossa, um problema qualquer que fará com que o seu carro seja sempre inferior ao carro dele.

“- O meu é completo, o seu não é a série especial YXZ que veio talhado em marfim dourado de pigmeus da Ilha de Java.”

E lá vai o guardador de carro dos outros colocar água de torneira no radiador do carro, afinal, líquido de arrefecimento é frescura dessa garotada nova.

Post Scriptum:

Esse artigo é meramente cômico, para fins de entretenimento.

Há vários fatores que explicam a síndrome do guardador de carro dos outros, mas o principal é o preço abusivo de qualquer carro no Brasil.

Carro não é visto com um bem durável de consumo, mas sim “um investimento” do suado dinheiro do brasileiro médio.

Enquanto carro for artigo quase impossível de ser comprado pela maioria da população, padeceremos da síndrome do guardador de carro dos outros.

Por Gustavo Guedes