Dando sequência à nossa série de artigos sobre detalhamento automotivo, vamos falar um pouco sobre enceramento. Esse método certamente é o mais usado para proteção da pintura, além de um grande prazer para quem gosta de cuidar do carro.
Para quem não acompanhou nossos textos anteriores, veja os links: detalhamento automotivo, dicas para limpar o carro em casa e guia completo de lavagem.
Quando admiramos um carro, provavelmente a primeira impressão marcante é o acabamento da pintura. E é exatamente essa impressão que buscamos manter por mais tempo, para ter orgulho ao ver nosso carro brilhando e conservar a pintura, o que também preserva o valor agregado em um automóvel.
Realmente o bom aspecto da pintura nos chama a atenção e é um fator determinante na decisão de compra. Isso explica o grande investimento na indústria, nas linhas de montagem, principalmente na parte de pintura e acabamento.
Se olharmos a história do automóvel, veremos que revestimentos de pintura começaram a ser utilizados nas linhas de produção de Henry Ford, porém de uma forma muito menos desenvolvida dos produtos que temos hoje.
Isso mostra que a pintura passou a ser um ponto determinante para venda, desenvolvimento e conservação dos carros, antes revestidos com madeira ou chapas de metal nuas.
Hoje contamos com diversos sistemas de pintura, como Mono-Camada e Multi-Camada, desenvolvimento de vernizes e tintas de uma forma jamais vista, cores nítidas e profundas e brilho em um nível fantástico, além de muita durabilidade.
A PPG e a DuPont, junto com a BASF, são as maiores fornecedoras de vernizes e tintas para a indústria automotiva, investindo em revestimentos cada vez mais duros e resistentes. Com isso, criou-se a ideia de que a manutenção é dispensável.
Engana-se quem pensa dessa forma. A exposição ao sol, variações de temperatura, ação de soluções químicas fortes e até mesmo o tempo, fazem com que a camada de verniz sofra oxidação e desgaste. Portanto, esse conceito defendido por muitos concessionários cai por terra.
Embora existam protetivos de longa duração, ainda não há nenhum composto capaz de fornecer proteção por toda a vida. Entretanto, alguns novos produtos defendem esta proteção por toda vida útil, mas não há comprovação factual de que isso realmente ocorra.
Ok, sabemos que existem fabricantes diferentes, mas e o resultado final de um carro pintado é diferente?
Bom, cada fabricante de tinta usa fórmulas diferentes e, dentro das fábricas de carros, cada montadora adota um sistema para pintura, ou seja, a forma como o carro é pintado varia de montadora para montadora.
Isso se reflete de uma forma discreta na tonalidade das cores, mas influencia na dureza e profundidade da pintura de cada montadora.
Essa disputa entre fabricantes criou uma certa dúvida entre os consumidores, de que existem linhas de produtos específicos para cada marca. Isso certamente é uma inverdade, e os consumidores devem saber disso.
Não há relatos de que uma combinação de produtos favoreça uma determinada marca de carro, isso é apenas uma estratégia de vendas para criar alguma exclusividade.
Algumas ceras, por exemplo, são formuladas para favorecer e destacar determinadas tonalidades de cor, devido às diferentes concentrações de cera pura com outros compostos. Mas não se pode dizer que é específica para uma marca.
Diferenciando os produtos
Sabemos que não há produtos específicos para cada marca e sim para algumas tonalidades de pintura. Nesse caso, uma mesma cera poderá ser usada em praticamente qualquer sistema de pintura desde que não contenha abrasivos que possam danificá-la.
As ceras começaram a ser utilizadas no mundo automotivo para proteger a pintura e o madeiramento das carruagens no século XIX. Essas ceras eram feitas com gordura animal e cera de abelha, tornando-se tão comum que até hoje é o método mais usado para proteção das pinturas automotivas.
A pintura está em contato frequente com variações climáticas de frio e calor, exposição ao sol, excrementos de pássaros, poluentes do ar e demais problemas encontrados nas grandes cidades. A cera, por sua vez, cria uma barreira entre a camada de tinta ou verniz e os fatores naturais aos quais o veículo é exposto.
Encerar também promove um brilho intenso no acabamento, além de deixar a cor mais vibrante, por fazer a luz refletir com mais facilidade.
As ceras utilizadas hoje em dia são feitas de combinações de compostos, como carnaúba e óleos de frutas, ceras de abelha, parafina, solventes ou fórmulas sintéticas com polímeros e outros componentes.
Diversas marcas criaram verdadeiras grifes e algumas ceras são realmente artigos de luxo, chegando a custar US$ 30.000!
Carruagem do Século XIX, que eram protegidas com cera de origem animal.
Zymöl Solaris
No mercado atual existem muitos produtos para proteção de pintura, formulados de diversas maneiras e com diversas finalidades. Vou tentar apresentar os principais.
Ceras limpadoras / selantes limpadores
Iniciando por uma das ceras mais comuns no mercado, as famosas ceras limpadoras ou cleaners. Estes produtos encontram-se em pasta ou em forma líquida. Contém micro-abrasivos em sua fórmula, misturados com ceras de origens diversas ou materiais sintéticos e alguns solventes.
A depender do estado da pintura, as ceras limpadoras podem fazer um bom trabalho de restauro, porém não tem a propriedade de remover defeitos mais profundos.
São ideais para fazer um trabalho rápido, pois além de restaurar um pouco da aparência, ainda deixam uma proteção (não muito prolongada) em um só passo. Em uma aplicação é possível remover defeitos, polir e incrementar o brilho, além de adicionar uma camada de proteção.
A grande distinção a ser feita sobre ceras limpadoras é na questão do componente protetivo. Parte das ceras limpadoras ou AIO (all in one) possuem carnaúba como protetivo. Alguns outros contém polímeros sintéticos.
Os produtos de base sintética se encaixam na categoria dos Selantes limpadores ou Cleaner Sealants, e tem um duração um pouco mais longa do que ceras naturais.
Portanto, pode-se escolher tanto Selantes limpadores (sintéticos) como ceras limpadoras (carnaúba), tudo irá depender do propósito e resultado desejados. Infelizmente, não temos uma gama de produtos nacionais com uma qualidade de ponta ou reconhecimento internacional. Alguns se destacam, mas são poucos.
Recomendações de uso
Como já dito, ceras ou selantes limpadores possuem abrasivos e agentes limpantes na formulação. Sendo assim, torna-se desnecessário o uso constante destes produtos, pois uma vez que a pintura está em boas condições, não há necessidade de repetir esse processo de limpeza por abrasão.
O modo e uso é um pouco diferente, não basta apenas aplicar e remover. Por conter compostos polidores, é necessária uma força mecânica para fazer com que o produto cumpra o prometido. Isso pode ser feito manualmente ou com máquina roto-orbital.
Ceras e Selantes de acabamento
Entrando no mundo das ceras de acabamento, encontramos uma vasta quantidade de produtos. Esse tipo de cera não tem ação limpante e nem abrasiva. São ceras desenvolvidas para incrementar o brilho e fazer uma camada de proteção duradoura.
Portanto, se o objetivo for melhorar o aspecto da pintura e remover pequenos defeitos, certamente essas não são as ceras indicadas.
Para que surtam efeito, as ceras de acabamento, como o nome já diz, são a última etapa de um processo de correção de pintura ou de uma manutenção leve. Após remover todos os defeitos via polimento a superfície está pronta para receber a cera. Muitas das ceras do mercado utilizam carnaúba brasileira como fonte de proteção.
Os óleos presentes na cera dão brilho e reflexividade à pintura, porém, atualmente não é difícil encontrar produtos de origem sintética. Apesar de serem nomeados como ceras sintéticas, na realidade são selantes.
Os selantes evoluíram muito nos últimos anos e concorrem em páreo estreito com as ceras de origem natural.
Além de oferecer um brilho razoável, os selantes fornecem uma proteção por um período maior de tempo do que ceras naturais. Parte da expansão de protetivos sintéticos se dá por conta do alto custo do uso da cera de carnaúba importada do Brasil e da redução da durabilidade, se comparada com produtos sintéticos, principalmente em climas extremos.
A cera de carnaúba não pode ser usada de forma pura, pois é vendida em flocos e é dura para uso automotivo. Portanto, existe um processo de beneficiamento, adicionando solventes, ancoradores, e óleos diversos para que a cera possa ser manuseada.
Recomendações de uso
As ceras de acabamento devem ser aplicadas de forma diferente das ceras limpadoras. Isso quer dizer que este tipo de cera não precisa ser trabalhada na pintura, apenas aplicada e removida.
Algumas requerem remoção imediata, outras exigem que se espere secar. Tudo isso está escrito na embalagem. Recomendo sempre seguir a orientação do fabricante.
Ceras e Selantes híbridos
Cada produto possui suas particularidades, tanto sintéticos como naturais. Por exemplo, algumas ceras naturais deixam um brilho mais intenso do que selantes sintéticos. Porém, os selantes tem uma proteção prolongada.
Nesse sentido, fabricantes buscaram aliar os pontos fortes das ceras naturais e dos selantes, criando compostos híbridos. Alguns realmente funcionam, outros só ficam na propaganda. Lembrando que é possível encontrar selantes e ceras hibridas limpadoras ou de acabamento.
Como saber se a pintura está protegida?
As ceras e selantes sempre serão uma boa opção para proteger a pintura, mas tudo irá depender do resultado que busca. Algumas ceras oferecem um brilho de altíssimo nível, porém pecam na durabilidade. Se está preparando um carro para exposição isso não será problema.
Mas a grande maioria (ceras de qualidade) oferecem uma proteção de aproximadamente 2 meses, nesse meio tempo podemos potencializar o resultado com Quick Detailers, que são abrilhantadores rápidos, sem poder de limpeza, caso contrário estaremos retirando a camada de proteção.
Seja cera ou selante, é impossível evitar seu desgaste durante o tempo, então a reaplicação de tempos em tempos com certeza fará com que a pintura esteja sempre protegida.
Porém, a camada de cera é invisível e existem alguns aspectos que se podem observar para notar se há ou não proteção. Um dos principais fatores é a repelência à água, pois ceras naturais são altamente hidrofóbicas e repelem muita água.
Se notar que a água não escorre ou não forma pequenas bolhas sobre a pintura, provavelmente esteja na hora de reaplicar.
Selantes repelem um pouco menos, por isso podemos observar o visual da pintura para sabermos se há ou não proteção. Se a água se espalha na pintura e não forma bolhas, é um bom indicativo de falta de proteção, tanto com ceras quanto com selantes.
Efeito criado pela presença de cera/selante na pintura.
Estas são as principais categorias em que os produtos de proteção são classificados. Encontramos muitos deles também na forma de spray ou na forma mais líquida para aplicação via máquina.
Novas tecnologias – principalmente sintéticas – permitem versatilizar os produtos, que hoje se encontram até mesmo em aerossol ou em uma forma aquosa.
Essa escolha pode ser feita pelo gosto pessoal, há quem goste do produto em pasta para aquele enceramento mais tradicional. Outros preferem ganhar tempo e usar produtos que possuem uma aplicação mais rápida.
Há também os coatings, conhecidos aqui como vitrificadores, que são indicados para uso profissional apenas. Se houver interesse podemos discutir sobre eles em um outro artigo.
Aplicação de cera ou selante
Sempre que for aplicar uma cera, procure seguir as instruções do fabricante, optando por fazer o trabalho sempre à sombra, com panos de microfibra e aplicadores de cera confeccionados em espuma ou microfibra. Deixando claro que a preparação e limpeza da superfície são de extrema importância.
Um dos mais importantes quesitos para que o resultado seja satisfatório é respeitar a cura do produto, pois isso irá determinar seu efeito e durabilidade sobre a pintura. Sempre preste atenção na embalagem.
Aplique sempre uma camada fina de cera, tentando espalhar em uma área pequena de cada vez, assim evita-se manchas na pintura e garantimos que ela foi aplicada em todo o carro. Alguns produtos permitem que se possa aplicar em todo o carro e depois remover, outros não, isso deve ser observado na embalagem.
Uma camada fina auxilia na remoção, camadas grossas, além de desperdiçarem produto, tornam a remoção complicada e podem induzir riscos. Existem alguns truques para resolver problemas na remoção.
Se a cera não sai, ou criou névoa, borrife um pouco de água destilada sore a área afetada e termine de lustrar com uma microfibra macia. A água destilada faz com que os solventes do produto em excesso evaporem junto com ela.
Após remover toda a cera, lustre com um pano de microfibra macio com movimentos lentos e mínima pressão. Podemos aplicar uma segunda camada de cera após a cura total da camada anterior (aproximadamente 12 horas).
É comum aplicar os dois tipos de produtos combinados, tudo irá depender das condições da pintura, ou seja, podemos aplicar um selante limpador e, após sua cura, finalizar com uma cera de carnaúba de acabamento.
Embora existam produtos híbridos, sempre há quem prefira usar as duas fórmulas separadamente. Não há problema algum, desde que se respeite as recomendações de cada produto.
Alguns detalhadores defendem a técnica de espalhar a cera em linha reta, sem movimentos circulares que evitariam a indução de Swirls – marcas de redemoinho. Outros dizem que se aplicação for cuidadosa não há como riscar.
Em minha opinião, prefiro a técnica em linha reta. Embora a aplicação seja cuidadosa, qualquer resquício de sujeira ou pó entre o aplicador e a pintura pode criar os indesejáveis Swirls.
Tome cuidado com plásticos e borrachas, pois algumas ceras podem manchá-los. As novas nano-waxes também podem ser aplicadas em plásticos e borrachas, funcionando como um revitalizador. Se restarem excessos, remova-os dos cantos e fendas com uma escova de cerdas um pouco mais firmes.
Espero que tenham aproveitado a leitura e que possa ser útil na próxima vez que encerarem seus carros ou na hora de escolher entre cera ou selante.
Luan Cordeiro
AutoFlux – Car Detailing
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